DELAÇÃO PREMIADA, AVANÇO INSTITUCIONAL
E PROSPERIDADE ECONÔMICA

04 de Abril de 2016

Marcelo Audi apresenta sua opinião de que a Lava Jato representa um inédito salto institucional, que, por sua vez, é pré-condição para a prosperidade econômica, como demonstrado por Douglass North. Ele detalha a análise desses temas.

Marcelo Audi – 31-mar-2016

Os eventos políticos e jurídico-criminais (Lava Jato) desde 2014 convencem-me que a sociedade brasileira dá um inédito e largo salto para frente no seu ambiente institucional. E, como demonstra Douglass North, avanço institucional é pré-condição para a prosperidade econômica.

O pilar fundamental deste avanço é a delação premiada. Recapitulemos o ocorrido em apenas cerca de três anos. A delação premiada em caso de crime organizado foi instituída em março de 2013, seguida pelo início da operação Lava Jato (ainda longe do seu fim) em março de 2014, desembocando no iminente impeachment de Dilma Rousseff e na iminente prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, selando o colapso do Lulo-petismo. Impressionante.

A cleptocracia (para usar o diagnóstico do jurista Walter Maierovitch), que mostraram seus primeiros sinais no “mensalão” do primeiro mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-06) e atingiu dimensões inimagináveis com o “petrolão” até recentemente, começa a se desmantelar, dando lugar – acredito – a uma democracia revigorada da qual temos que nos orgulhar. É a primeira vez que sentimos de modo mais tangível a aplicação do artigo 5º da nossa constituição (“todos são iguais perante a lei…”). Isso porque é a primeira vez que a força da lei chega de forma grave – a criminal – a dois grupos que até então pareciam inatingíveis – como castas – e, portanto, estando acima das leis: políticos de primeira linha de importância e controladores e executivos das maiores empreiteiras.

Tais encorajadoras constatações são acompanhadas – não nos iludamos – de três desafios ainda complexos e demorados. Primeiro, o combate contra um possível retrocesso dessas conquistas, na forma da tentativa pelos políticos de aprovar leis que protejam os corruptos, como a medida provisória 703 (discutida abaixo). Segundo, a restauração do funcionamento político-partidário minimamente eficiente, particularmente envolvendo o executivo e o legislativo, que precisam se reencontrar num trilho comum de agenda mínima consensual. Terceiro, o restabelecimento da saúde econômica, que ficou tão debilitada neste processo. Mas nenhuma conquista ocorre sem sacrifícios, nem abruptamente.

Apresento a seguir algumas considerações específicas.

Delação premiada

O jurista alemão Rudolf Von Ihering previu no séc. XIX um Estado incapaz de desvendar crimes, diante da sofisticação e complexidade decorrentes da modernidade. Como consequência, propôs o direito premial (delação premiada) como solução, não pelo interesse do criminoso, mas pelo da coletividade:

“Um dia, os juristas vão ocupar-se do direito premial. E farão isso quando, pressionados pelas necessidades práticas, conseguirem introduzir a matéria premial dentro do direito, isto é, fora da mera faculdade do arbítrio. Delimitando-o com regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante ao prêmio, mas, sobretudo, no interesse da coletividade”[i]

No século XX, a delação premiada finalmente desabrochou. Estima-se que nos Estados Unidos, desde 1968, cerca de 80% dos processos criminais passaram a ser resolvidos utilizando-se deste recurso. Na década de 1990, a Operação Mãos Limpas na Itália teve como base do seu sucesso esta mesma instituição.

No mundo contemporâneo, a delação premiada faz parte integrante das sociedades mais desenvolvidas. Portanto, o simples fato de o Brasil dispor dela já é um bom sintoma de progresso institucional. “Quem é contra a delação premiada efetivamente é a favor da bandidagem, do crime organizado”.[ii]

Lava Jato

A operação Lava Jato, que na sua força-tarefa inclui a polícia federal, o ministério público, a receita federal e o judiciário, em apenas dois anos de atividade, apresenta resultados surpreendentes, ganhando velocidade crescente à medida que sua abrangência aumenta. Tais resultados se baseiam no pilar fundamental da delação premiada.

A dimensão dos seus resultados, até agora, é de impressionar:

  • Acordos: 49 acordos de delação premiada com pessoas físicas, cinco acordos de leniência com empresas;
  • Acusações e condenações: 93 pessoas condenadas, além de acusação criminal contra 179 pessoas;
  • Valores de propina: os crimes já denunciados envolvem pagamento de propina de R$ 6,4 bilhões;
  • Valores de propina recuperados por acordo de delação premiada: R$ 2,9 bilhões;
  • Valor total de ressarcimento pedido nas acusações (incluindo multa): R$ 21,8 bilhões.

 

Risco de Retrocesso

Na Itália, o sucesso da Operação Mãos Limpas enfrentou uma reação da classe política – tentando minar as condenações e o avanço de tal operação – em duas frentes. Numa, houve uma sistemática campanha de difamação contra os juízes que lideravam tal processo. Noutra, o parlamento aprovou leis que protegem os culpados de condenações e os isentaram de ressarcimento dos danos financeiros, sendo chamadas de “leis dos ladrões”.

No Brasil, vemos tentativa semelhante. A medida provisória 703, editada pela presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2015 enfraquece o instituto do acordo de leniência com empresas corruptas estabelecido em agosto de 2013. Através dessa medida provisória, basta uma promessa genérica de não delinquir para haver a suspensão dos processos criminais em curso, a dispensa de reparação financeira do dano, a dispensa de afastamento por até cinco anos dos executivos envolvidos na corrupção, bem como desobriga a empresa de trazer fatos novos como condição necessária para se celebrar o acordo. Todas estas medidas fazem parte da lei original de acordo de leniência.

É a tentativa de se estabelecer a “lei dos ladrões” por aqui. Interessante é o argumento usado pelo governo federal para justificar tal medida provisória: evitar o desemprego e o aprofundamento da recessão.

Além disso, o governo federal e o PT adotaram o discurso de “golpe constitucional” – termo por si só incongruente, já que qualquer golpe necessariamente deve atentar contra a constituição – para desqualificar o atual processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A presidente, seu partido e seu criador Luiz Inácio Lula da Silva também vociferam contra a polícia federal, o ministério público, o judiciário em geral e o Juiz Sérgio Moro em particular, inclusive lançando difamações pessoais. Lula continua a defender as empreiteiras corruptas investigadas e culpa a operação Lava Jato pela recessão econômica.

Portanto, nós como sociedade precisamos combater tais atentados com vigilância e perseverar na consolidação destes novos valores institucionais em curso.

Avanço institucional e prosperidade econômica

Douglass North ganhou notoriedade nos anos 1990 – inclusive um prêmio Nobel em 1993 – por demonstrar que o progresso institucional é a base da prosperidade econômica de longo prazo de um país.

North demonstra que o desempenho econômico é determinado em larga medida pelo tipo e qualidade das instituições: “O maior papel das instituições numa sociedade é reduzir a incerteza ao estabelecer uma estrutura de interação humana estável (mas não necessariamente eficiente)”.[iii] North afirma que as instituições são sempre ambíguas quanto à sua contribuição para o crescimento econômico: “…instituições foram – e são – sempre um conjunto ambíguo daquelas que induzem ao aumento da produtividade e das que contribuem para a redução da produtividade”.3

No primeiro caso – de instituições que induzem ao aumento da produtividade – ele discute dois exemplos. Primeiro, o do Reino Unido no séc. XVII, que, diante de desafios fiscais, fez escolhas institucionais favoráveis, incluindo regras de responsabilidade fiscal, que resultaram em alguns séculos de prosperidade econômica. Segundo, o dos Estados Unidos no séc. XIX, que seguiu caminho semelhante, igualmente experimentando grande prosperidade econômica, que se estendeu para o séc. XX. Algumas decisões institucionais destes casos foram: constituição, governos representativos, direito de propriedade confiável, lei de patente, regras simples, sistema judiciário imparcial e normas de conduta que premiavam o trabalho duro.

Inversamente, ele apresenta dois exemplos do segundo caso – o das instituições que levam à redução da produtividade. O primeiro é o da Espanha do séc. XVII, que, diante de desafios fiscais semelhantes aos do Reino Unido na época, fez escolhas institucionais desfavoráveis: “Em um século – o dezessete – a Espanha declinou da posição da mais poderosa nação do ocidente desde o Império Romano para uma economia de segunda linha”.[iv] O segundo é o da América Latina no séc. XIX, resultando igualmente em desempenho econômico ruim. Algumas decisões institucionais destes casos foram: burocracia de estado grande, complexa e centralizada, leis que permanentemente aumentavam em número e complexidade, judiciário sem independência, direito de propriedade pouco confiável, tributação permanentemente crescente, empresas sendo focadas a buscar influências políticas para obter crédito subsidiado ou fazer cumprir seus contratos.

Os últimos três anos parecem mostrar que estamos ensaiando erguer a cabeça do pântano do segundo caso para, em alguma extensão, sorvermos o primeiro caso. Como mencionei na Carta Cardinal 3[v]5 no ano passado, acredito estarmos numa tendência de avanço institucional apesar da piora cíclica da política e da economia.

Conclusão

Ouso dizer que a sociedade brasileira encontra-se migrando de dois elementos institucionais específicos e arraigados à nossa história – a impunidade e as castas de privilegiados dos acima-da-lei – para duas inéditas instituições: da punibilidade e da ampla aplicação do princípio de que todos são iguais perante a lei, tendo início a dissolução das castas dos acima-da-lei. Tal progresso é pré-condição para a prosperidade econômica de longo prazo.

Esta migração, para se consolidar, precisa criar raízes mais profundas. Vigilância, perseverança e continuidade são os pré-requisitos. Vejamos aonde chegaremos e em que tempo. Os últimos três anos foram surpreendentes


1 Ihering, Rudolf Von. A luta pelo direito. 23. Ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 73.

2 Walter Maierovitch – CBN – Justiça e Cidadania – Homologação de delação premiada é ato meramente formal. Link: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/walter-maierovitch/2016/03/03/HOMOLOGACAO-DE-DELACAO-PREMIADA-E-ATO-MERAMENTE-FORMAL.htm

3 NORTH, Douglass. Institutions, Institutional Change and Economic PerformanceCambridge University Press, 1990, p.6-9

4 NORTH, Douglass. Institutions, Institutional Change and Economic PerformanceCambridge University Press, 1990, p.6-9

5 Carta trimestral da gestora de fundos de investimento Cardinal Partners, da qual sou sócio fundador. Nela discutimos os cenários político e econômico do Brasil que consideramos em nossas decisões de investimento. Link: https://cardinalpartners.com.br/3-carta-cardinal-partners-dogma-em-value-investing-ignorar-o-macro-parte-i/

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