CARTA CARDINAL 12

RESISTA AO MARSHMALLOW

Em 2018, o calendário político será a principal âncora para expectativas e decisões de consumidores, empresas e investidores no Brasil. O novo presidente eleito assumirá um país que apresentará colchões e desafios. Do lado econômico, os colchões são a inflação benigna, juros baixos em comparação com a história, contas externas robustas e o crescimento econômico em recuperação. O desafio segue do lado fiscal: há um encontro marcado com a reforma previdenciária e outros ajustes fiscais. Do lado político, o excesso de fragmentação partidária precisará encontrar o caminho de maior eficiência de articulação no Congresso, diante de uma agenda ampla que precisará ser endereçada. Tudo isso regado à continuidade de tremores vindos da Operação Lava Jato. Um presidente populista ou com baixa capacidade de articulação política com o Congresso pode causar um retrocesso.

Mais do que nunca, será preciso navegar neste mar com dois instrumentos. O primeiro é o lúcido entendimento dos fundamentos e de como eles evoluem. O segundo, é o devido controle das emoções, pois podem haver momentos de pânico ou de euforia. Se controlamos nossas reações impulsivas, tiramos proveito da volatilidade, do contrário, a volatilidade tira proveito de nós, causando-nos prejuízos de longo prazo.

 

Autocontrole (ou a falta dele) – Teste do Marshmallow

O psicólogo Walter Mischel é o responsável por um dos mais importantes estudos sobre autocontrole, particularmente em relação à habilidade de postergar uma gratificação imediata por uma recompensa futura maior.[1] Sua pesquisa consistiu no Teste do Marshmallow, realizada em mais de 500 crianças da pré-escola, com idade média de 4-6 anos, durante 1968-1974. Individualmente, elas foram levadas a uma sala, onde o pesquisador colocou um marshmallow num prato na mesa à sua frente.

Ao lado havia uma campainha. Disse que sairia da sala e a criança teria duas opções: comer o marshmallow, tocando a campainha para avisar, ou esperar até o pesquisador voltar. Neste caso, se não tivesse comido, ganharia outro marshmallow.[2] Nas décadas seguintes até hoje, ele vem acompanhando aquelas crianças durante a adolescência, a fase adulta e a meia-idade, analisando sua condição de vida.

Em síntese, seus estudos de quase meio século chegam a duas conclusões. Primeiro, os que são capazes de ter autocontrole têm uma probabilidade mais elevada de uma vida futura de maior realização, mais bem-estar e mais saúde física e mental.[3] Segundo, o autocontrole pode ser aprendido e desenvolvido, como um músculo, graças à elevada plasticidade do cérebro. Trazendo estas conclusões para a o mundo de investimento em ações, o investidor prefere o ganho pequeno de curto prazo ao retorno mais robusto que vislumbre no longo prazo.

 

Como funciona nosso cérebro? Teste CRT

Responda as três questões abaixo:

  1. Um taco e uma bola custam US$1,10. O taco custa US$1,00 a mais do que a bola. Qual o preço da bola?
  2. Se leva 5 minutos para 5 máquinas fazerem 5 camisas, em quanto tempo 100 máquinas fazem 100 camisas?
  3. Num lago, há vitórias-régias. A cada dia, elas dobram de tamanho.

Se leva 48 dias para cobrirem todo o lago, em quantos dias cobrirão metade do lago?

 

As pesquisas demonstram que nosso cérebro funciona de duas maneiras.

Em uma, chamada de Sistema 1, o processamento ocorre de maneira espontânea, exigindo pouca atenção. A resposta é rápida, automática, intuitiva. Por exemplo, reconhecer que a face de uma pessoa entrando na sala de aula é a do seu professor de matemática. Na outra maneira, chamada de Sistema 2, o processamento exige esforço, motivação, concentração e execução de regras aprendidas. A resposta é lenta, não há como ser impulsiva. Por exemplo, calcular √19163, cujo resultado é 138,43.

Dependendo de cada circunstância, nosso cérebro automaticamente ativa o Sistema 1 ou o Sistema 2, em função do que interpretar ser o mais apropriado para o momento, a não ser que nossa atenção interfira e mude o seu foco. O problema é que, em algumas situações em que temos que fazer um julgamento ou tomar uma decisão, nosso cérebro se vê numa armadilha, pois interpreta que a resposta adequada virá do Sistema 1, quando de fato precisará do Sistema 2.

Em relação às três perguntas acima, a maioria das pessoas responde US$0,10, 100 minutos e 24 dias, respectivamente. Mas elas estão erradas.

Tais respostas intuitivas derivam do Sistema 1, mas a resposta certa exige o Sistema 2.[4] Nosso cérebro erroneamente ativa o Sistema 1 pela simplicidade do enunciado. Este teste, chamado de Teste de Reflexo Cognitivo (CRT), foi aplicado por Shane Frederick [5] em 11 faculdades americanas. O resultado é sintetizado na Figura 1 apenas 17% acertaram as três perguntas, enquanto 33% erraram as três. O melhor resultado foi do MIT, mesmo assim tímidos: apenas 48% acertaram as três.

 

Figura 1: Teste de reflexo cognitivo (CRT) [6]

Fonte: FREDERICK, Shane. Cognitive Reflection and Decision Making, Journal of Economic Perspectives , v. 19, p. 29, outono 2005.

 

O Sistema 1 é associado ao estado quente, ou emocional.[7] É quando existe uma intensa atividade das estruturas mais primitivas do cérebro, o sistema límbico, responsável pelas respostas mais essenciais para nossa sobrevivência, incluindo medo, raiva, fome, desejo sexual. Este sistema rapidamente mobiliza o corpo para a ação, sem parar para refletir nas consequências de longo prazo. Este estado quente é particularmente útil para as situações de emergência. Ao nascermos, somos movidos quase que exclusivamente por ele.
O Sistema 2 é associado ao estado frio, ou racional.[8] É quando existe uma intensa atividade do córtex pré-frontal (CPF), que é a região mais nobre do cérebro. Ele regula nossos pensamentos, ações e emoções, além de ser a fonte de criatividade e imaginação.

Ele permite um comportamento racional, reflexivo e estratégico. É onde está enraizada a habilidade de autocontrole, pela nossa vontade. Esta região só estará plenamente desenvolvida a partir dos 20 anos de idade. Até então, somos mais vulneráveis ao Sistema 1, ou estado quente. Daí o cuidado que crianças e adolescentes demandam de pais e educadores, e a razão de o Direito apenas reconhecer a maioridade em pessoas que se aproximam dessa idade.
Os Sistemas 1 e 2 interagem permanente e simbioticamente. Quanto mais ativo o Sistema 1, menos ativo estará o Sistema 2 e vice-versa. Quanto maior o estresse pelo qual passamos, maior será o estímulo do Sistema 1, exigindo de nós um esforço maior que o normal para usarmos o Sistema 2.
Isso explica o movimento pendular dos mercados, já que a maioria dos investidores “se entrega” aos instintos de euforia ou pânico, comprando ou vendendo compulsivamente, respectivamente, diante de eventos de curto prazo.[9]

 

Conformidade social – Teste de Asch

As pesquisas de psicologia social demonstram que, confrontadas com opiniões contrárias às suas, muitas pessoas mudam seu julgamento na direção da maioria, ou do expert. Aplicando isso para decisões de investimento, parcela relevante dos investidores tendem a seguir o consenso de mercado, ao invés de suas convicções próprias.
Descrevemos a seguir uma importante pesquisa de Solomon Asch publicada em 1955, e que permanece como uma referência no tema.[10] Grupos de sete a nove universitários foram convidados a participar de um experimento de “julgamento visual”. O pesquisador explicou que mostraria dois cartões. No primeiro, haveria uma linha vertical, no segundo, três linhas na mesma posição, mas de tamanhos diferentes.
Os participantes deveriam indicar qual das três tinha a mesma dimensão da linha do primeiro cartão, como mostra a Figura 2. Cada um daria sua reposta em voz alta um após o outro.

 

Figura 2: Teste de conformidade social de Solomon Asch

Fonte: ASCH, Solomon E. Opinions and Social Pressure, Scientific American, v. 193, n. 5, novembro 1955.

Dos alunos submetidos ao experimento, apenas um era o alvo da pesquisa, os demais faziam parte do time do pesquisador. O alvo era o penúltimo a responder. Nas primeiras duas rodadas, todos responderam certo, unanimemente. A partir da terceira rodada, o sujeito pesquisado respondeu certo, mas todos os demais deram a mesma resposta errada. De um total de 18 rodadas, em 12 os demais participantes responderam igualmente errado. Os resultados mostram que a opinião do grupo exerceu uma forte influência para que a pessoa isolada mudasse de opinião. Isso ocorreu em 37% dos casos, comparado com a probabilidade de 1% de erro esperado nas respostas. Uma particularidade interessante foi que a pressão social sobre o sujeito diminuiu sobremaneira quando o consenso deixou de existir. No experimento, quando uma segunda pessoa, além do sujeito, passou a dar respostas iguais às suas, a frequência de respostas erradas dele caiu para 1/4 dos erros no caso em que ele esteve isolado contra o consenso (ou seja, 9,3%). Neste caso, observou-se um forte vínculo do sujeito pesquisado com seu “parceiro” de resposta, havendo uma clara demonstração de empatia, proximidade e confiança na sua expressão corporal.[11]
A conclusão de Asch com essa pesquisa foi a seguinte. Por um lado, como seres sociais, dependemos do consenso para sobrevivermos em coletividade.
Mas o consenso, para ser produtivo, deve resultar de contribuições individuais independentes de cada um. O problema surge quando o consenso é subjugado pela conformidade, fazendo com que o indivíduo perca seu discernimento de julgamento, seguindo cegamente o grupo, como se fosse hipnotizado. Asch lembra a afirmação de um antecessor seu, o sociólogo Gabriel Tarde: “O homem social é um sonâmbulo”.[12]

 

Lutando contra o efeito manada

 

As três pesquisas mencionadas acima ajudam-nos a entender por que existe o efeito manada. Numa situação de estresse, nosso cérebro, quando não contido pela vigilância, é hiperestimulado no seu Sistema 1, que nos empurra para reações impensadas. Nosso autocontrole fica enfraquecido, deixando nos entregues à saciedade do desejo imediato (não resistimos ao marshmallow). Como temos a necessidade da conformidade social, seguimos o que a maioria dos que estão à nossa volta faz.
Por exemplo, se estamos numa sala de cinema, acabamos de assistir às orientações de como proceder em caso de incêndio, apagaram-se as luzes, sentimos cheiro de fumaça, alguém grita “fogo”, e todos se levantam e correm para a porta de saída, tendemos a sair correndo, esquecendo as instruções. Mas se os demais permanecem sentados, nosso ímpeto diminui, apesar de permanecermos propensos a correr.[13]
Analogamente, se temos investimento nas ações de uma empresa, seu preço cai forte e abruptamente e os participantes do mercado tornam-se pessimistas, tendemos a querer vendê-la rapidamente, como se fosse uma batata quente, sem analisarmos antes se seus fundamentos mudaram. O inverso também é verdadeiro: uma alta forte nos impele a comprar mais, esquecendo-nos de pensar se a ação está cara ou não.
Quanto mais aguda for a circunstância, mais forte será nosso ímpeto no calor do momento, geralmente acarretando prejuízos (comprar caro e vender barato). Só há uma solução: pôr em prática, neste momento, o autocontrole. Ele será fundamental neste ano, diante das angústias do calendário eleitoral, como dissemos no início. Ao surgir o movimento de manada, cabe a nós segui-lo, podendo ser pisoteados por ele ou tirar proveito dele, nos distanciando daquele sentimento imediatista e buscando ter o olhar lúcido para enxergar as oportunidades.
Como pôr em prática o autocontrole no caso de investimento em ações?
Na próxima carta discutiremos de que maneira fazemos isso na Cardinal Partners.

 


Um abraço
Marcelo Audi
Fevereiro de 2018


 

ANEXO

 

Respostas do teste CRT

1. Um taco e uma bola custam US$1,10. O taco custa US$1,00 a mais do que a bola. Qual o preço da bola?
Resposta: US$0,05
Explicação:
x = taco
y = bola
x + y = 1,10
x = y + 1,00
(y + 1,00) + y = 1,10
2y + 1,00 = 1,10
2y = 0,10
y = 0,05

2. Se leva 5 minutos para 5 máquinas fazerem 5 camisas, em quanto tempo 100 máquinas fazem 100 camisas?
Resposta: 5 minutos
Explicação: Se 5 máquinas fazem 5 camisas em 5 minutos, cada máquina faz uma camisa a cada 5 minutos. Portanto, 100 máquinas farão 100 camisas em 5 minutos.

3. Num lago, há vitórias-régias. A cada dia, elas dobram de tamanho. Se leva 48 dias para cobrirem todo o lago, em quantos dias cobrirão metade do lago?
Resposta: 47 dias
Explicação: Se a cada dia para frente a área ocupada duplica, a cada dia para trás se reduz pela metade. Se queremos saber em quantos dias as vitórias-régias ocuparão metade do lago, devemos partir do momento em que ocupam todo o lado (48 dias) e subtrair um dia.

 

Resultado detalhado do teste CRT

Figura 3: Resultado do teste CRT, por local

Fonte: FREDERICK, Shane. Cognitive Reflection and Decision Making, Journal of Economic Perspectives , vol. 19, p. 25-42, outono 2005.

 

 


[1] MISCHEL, Walter et al. Cognitive and Attentional Mechanisms in Delay of Gratification, Journal of Personality and Social Psychology , n. 2, p. 204-218, 1972; MISCHEL, Walter. The Marshmallow Test – Why Self-Control is the Engine of Success. Boston: Little Brown and Company, 2014.

[2] Os experimentos originais não foram filmados. Mas há filmagens contemporâneas que replicam o experimento original como mostrado neste video do nosso blog: O Teste no Marshmallow – Gratificação Instantânea.

[3] Isso inclui melhor desempenho acadêmico, menor índice de massa corporal, mais autoestima, mais confiança em seu julgamento próprio, mais facilidade de superar situações de estresse e frustração, condição emocional mais equilibrada, mais facilidade em manter relacionamentos íntimos, menos uso de drogas.

[4] Vide respostas certas no Anexo.

[5] FREDERICK, Shane. Cognitive Reflection and Decision Making, Journal of Economic Perspectives, vol. 19, p. 25-42, outono 2005.

[6] Veja detalhamento dos resultados no Anexo.

[7] MISCHEL, Walter. The Marshmallow Test – Why Self-Control is the Engine of Success. Boston: Little Brown and Company, 2014, p. 43.

[8] Ibid p. 45.

[9] Na Carta Cardinal 2 (O pêndulo do sentimento do investidor), medimos o pêndulo do sentimento do investidor para o mercado de ações brasileiro no período entre o começo de 2010 e meados de 2015. Os resultados são contundentes: contamos 10 extremos de pânico/euforia (um a cada 5,5 meses); a variação do Ibovespa entre um extremo e outro foi de 28% na média, sendo a maior variação de 41% e a menor de 20%.

[10] ASCH, Solomon E. Opinions and Social Pressure, Scientific American, v. 193, n. 5, novembro 1955.

[11] Vídeo original do experimento no nosso blog: Teste de Conformidade Social – tamanho das linhas – original.
Vídeo de uma variação contemporânea no nosso blog: : Teste de Conformidade Social – sala de espera.

[12] ASCH, Solomon E. Opinions and Social Pressure, Scientific American, v. 193, n. 5, p.2, novembro 1955.

[13] Um trágico exemplo é o do naufrágio do navio Costa Concordia em 2012, que se chocou com um banco de areia e naufragou no litoral da Toscana. O capitão Francesco Schettino foi um dos primeiros a abandonar o navio

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