CARTA CARDINAL 11

ESTRATÉGIA ≠ EFICIÊNCIA OPERACIONAL

Um equívoco recorrente por parte das empresas é confundir estratégia com eficiência operacional. Relatórios anuais e de resultados trimestrais demonstram isso.

Nesta Carta, apresentamos o olhar da Cardinal Partners para estes dois elementos, procurando demonstrar porque devem ser tratados separadamente, apesar de estarem interligados, influenciando-se mutuamente. Em síntese, estratégia contempla o objetivo a se alcançar e os caminhos a percorrer. Eficiência operacional associa-se à execução da estratégia.

Uma boa estratégia de negócio é concebida para construir e/ou fortalecer vantagens competitivas. Uma elevada eficiência operacional é condição sine qua non para a construção de tais vantagens. Uma estratégia mediana com uma elevada eficiência operacional pode levar a resultados benignos. Mas uma boa estratégia com uma baixa eficiência operacional, além de inócua, pode levar a um resultado maligno, como uma crise financeira, e ao enfraquecimento das vantagens competitivas construídas.

Empresas com vantagens competitivas sustentáveis são exceção, não a regra. Por isso, uma eficiência operacional elevada é fator crítico de sobrevivência. A história apresenta casos de empresas geridas com elevado nível de eficiência operacional que desfrutaram de retornos econômicos superiores aos dos concorrentes por períodos prolongados, mesmo sem desfrutarem de vantagens competitivas identificáveis[1]. Isso significa que os benefícios econômicos de uma elevada eficiência operacional podem ser tão importantes quanto os derivados de uma estratégia bem concebida. Por isso, consideramos estratégia e eficiência operacional como igualmente importantes.

 

Estratégia

Estratégia consiste em criar, manter e explorar vantagens competitivas, entendidas como aquilo que a empresa faz que os competidores não  conseguem replicar[2]. Ela inclui dois aspectos: definir onde se quer chegar, pela identificação dos fatores críticos (obstáculos, ameaças ou oportunidades); e elaborar ações encadeadas que mostrem o caminho a seguir. A estratégia deve ser elaborada pelo conselho de administração, interagindo com os executivos e respectivos times.

Em sua essência, estratégia envolve ser diferente: ter uma atividade diferente da de seus concorrentes, ou fazer a mesma atividade daquela de seus rivais de maneiras diferentes. Envolve fazer escolhas, isto é, definir o que não fazer. Vantagens competitivas serão criadas quando as inúmeras atividades da empresa vão se encaixando, fortalecendo umas as outras. É um sistema em que 1+1 > 2. O sistema precisa valer mais do que a soma das partes. Só assim as barreiras de entrada são formadas.[3]
Uma boa estratégia, que resulte numa alta performance, pode levar anos para ser concebida[4]. Ela exige que a empresa descubra sua vocação, onde pode ser competitiva, e quais mercados decidirá abandonar para aumentar o foco onde vislumbre alcançar maior performance.

 

Eficiência operacional

Eficiência operacional pode ser sintetizada em uma palavra: disciplina. Consideramos dois ângulos. Primeiro, a disciplina de execução da estratégia definida, com foco e direção, evitando sair do curso estabelecido. Segundo, disciplina de utilização dos recursos disponíveis, como capital, gente, insumos, ativos fixos, TI, pesquisa e desenvolvimento, entre outros, extraindo o máximo possível deles. Assim como esprememos um limão buscando colher todo o suco possível. É o que permite o crescimento de produtividade.

Eficiência operacional não deve ser confundida com execução passiva de tarefas mecânicas. Ao contrário, exige uma atitude de proatividade, discernimento, julgamento, adaptação, flexibilidade, agilidade, criatividade, oportunismo, instinto e liberdade de ação, tudo dentro dos limites da estratégia estabelecida. Além disso, é da operação que emanam dois elementos fundamentais: alertas de ameaças competitivas, exigindo ações corretivas da estratégia; e novas ideias que levam à inovação ou ao aprimoramento da estratégia. Mas tudo isso exige disciplina e consistência para chegar num nível elevado. Em analogia, é como um piloto numa pista de Fórmula 1. A pista, com seus contornos, representa a estratégia, o guard rail define as restrições de ação impostas por ela. Dentro da pista, o piloto age com liberdade, oportunismo, agilidade, julgamento e habilidade que lhe são peculiares. Por isso a qualidade da eficiência operacional pode variar muito entre empresas competidoras. É difícil encontrar pilotos do nível de Ayrton Senna na história da Fórmula 1.

Um exemplo ilustrativo é o da Cacau Show, um dos maiores sucessos corporativos brasileiros dos últimos dez anos. Com um faturamento anual de aproximadamente R$2 bilhões, é hoje uma das maiores empresas de chocolate fino do mundo, tendo o porte operacional de nomes globais como Lindt e Godiva[5]. Um dos grandes desafios da empresa é a alta sazonalidade[6]. Em 2016, numa sexta-feira, 14 dias antes da Sexta-feira Santa, com a operação da empresa a plena força, apareceu a oportunidade de um ponto de 1.400m2 no Shopping Aricanduva, onde a empresa já tinha duas lojas de 35m2. A primeira reação foi a de pensar em negociar o ponto para a Páscoa do ano seguinte, fazendo o investimento e preparando uma loja de grande porte em seis meses. Mas acabaram focando na oportunidade para aquele ano mesmo. No sábado, dia seguinte, começaram a preparar uma loja diferente, uma megastore. Em uma semana, ela foi inaugurada, tendo carrossel, uma casa de chocolate, 3.000 bichos de pelúcia e som alto, oferecendo uma experiência inovadora, ao criar um ambiente semelhante ao de um bufê infantil. Em suma, a loja foi um sucesso, vendendo R$1,5 milhão na Quinta-feira Santa. O fundador da empresa Alexandre Costa relata que um empresário lhe fez a seguinte analogia sobre a forma de atuação da empresa: “minha empresa só sabe tocar com partitura, a sua é uma banda de jazz”.

A elevada eficiência operacional traz os seguintes benefícios: maximiza a probabilidade de sucesso de uma estratégia bem concebida; permite forte crescimento quando a execução da estratégia ganha tração, por minimizar a ocorrência de gargalos operacionais; e permite forte alavancagem operacional (crescimento de lucro operacional por unidade de crescimento de receita), levando a um aumento de retorno econômico. Se, por um lado, a boa eficiência operacional é condição indispensável para a criação de vantagens competitivas, por outro, uma eficiência operacional declinante pode ser um sintoma de enfraquecimento das vantagens competitivas da empresa, pela complacência por desfrutar delas. Daí a importância de a eficiência operacional ser tratada como a fonte permanente de revigoramento da estratégia.

 

Time de qualidade e cultura corporativa

Uma boa eficiência operacional é resultante de dois fatores críticos. Primeiro, um time de gestão de alta qualidade, em que as pessoas certas estejam no lugar certo[7]. Isso inclui dois ângulos: ter pessoas com talento individual capaz de uma performance elevada; e haver um encaixe entre o tipo de talento da pessoa e as exigências da função.  Uma pesquisa da McKinsey focou na dispersão de produtividade de times de venda, mostrando que os 20% melhores vendedores vendem dez vezes mais do que os 20% piores.

O segundo fator é haver uma cultura corporativa forte, em que valores fundamentais predominem na atmosfera e levem a uma atitude coesa  do time. É difícil encontrar uma empresa de sucesso com cultura corporativa rarefeita. Uma das principais virtudes de um bom CEO é a habilidade de montar este time e construir esta cultura.

Assim, time de qualidade e cultura corporativa são os vasos comunicantes entre a estratégia e a eficiência operacional de uma empresa, como ilustramos na figura 1. Neste contexto, uma boa estratégia, acompanhada de uma elevada eficiência operacional, precisa surgir de dentro para fora, não o contrário. Uma cultura corporativa não se compra de uma empresa de consultoria, nem pode ser imposta monocraticamente por um CEO. Uma boa estratégia resulta da vocação da empresa, numa profunda reflexão feita pelo conselho de administração, o CEO e os principais executivos, junto a seus respectivos times. Não há como vir de fora. É deste processo interativo que surgem as estratégias de sucesso e a elevada eficiência operacional.

 

Figura 1: Vasos comunicantes entre estratégia e eficiência operacional

Pessoas certas no lugar certo. Fonte: Cardinal Partners

 

O que cria valor, estratégia ou eficiência operacional?

É inquestionável a força de uma estratégia bem concebida em criar vantagens competitivas duradouras e, portanto, valor. O que pode parecer menos óbvio é que a eficiência operacional também cria valor, podendo ter uma importância equivalente à de uma boa estratégia.

Bruce Greenwald[8] traz um exemplo histórico. Do fim da segunda guerra mundial até 1970, o crescimento da produtividade industrial dos Estados Unidos foi de robustos 3% a.a., fazendo com que o setor industrial fosse uma das forças do crescimento econômico do país, e um dos mais fortes do mundo. Daquele ano até 1980, o crescimento da produtividade foi de apenas 0,7%, bem atrás de Japão, Alemanha e Itália. Como resultado, do fim da década de 1970 até meados da década de 1980, os Estados Unidos experimentaram uma desindustrialização, sofrendo uma brutal competição do setor industrial japonês, com o seu revolucionário sistema produtivo baseado em gestão de qualidade total. Foi quando, por exemplo, no tradicional setor automobilístico, Honda e Toyota se consolidaram como concorrentes de importância equivalente às tradicionais marcas norte-americanas. De 1986 a 1991, porém, a produtividade industrial dos Estados Unidos acelerou em 2 pontos percentuais a.a., fazendo com que o país voltasse a ser uma das maiores forças industriais do mundo.

O que ocorreu nestes breves cinco anos? Em essência, uma mudança de foco de eficiência operacional e qualificação dos times de gestão. Até 1980, a formação dos executivos norte-americanos tinha como ênfase finanças e marketing. A partir de meados de 1980, passou a ser em eficiência operacional, como sistemas produtivos just-in-time, reengenharia e benchmarking, entre outros. Não houve grande salto de investimento, escolaridade da mão-de-obra ou pesquisa e desenvolvimento. Em suma, esta alternância competitiva teve como pivô a eficiência operacional.

Mas para se obter retornos econômicos sustentavelmente superiores, é preciso uma benigna combinação de eficiência operacional com estratégia. “A melhora constante de eficiência operacional é necessária para atingir uma lucratividade superior. Porém, geralmente não é suficiente. Poucas empresas têm competido de maneira bem-sucedida com base em eficiência operacional por um tempo prolongado. Mas permanecer à frente dos rivais torna-se cada dia mais difícil. A razão mais óbvia é a rápida difusão das boas práticas. Competidores conseguem rapidamente imitar técnicas de gestão, novas tecnologias, melhoras no uso de insumos e maneiras superiores de atender às demandas dos clientes”.[9]

 

Caso Portobello – Não reclame do vento; ajuste as velas.

Portobello é a maior empresa do Brasil em revestimentos cerâmicos, atuando com marca premium de mesmo nome. É inovadora no desenvolvimento do canal de distribuição de franquias Portobello Shop, iniciado em 1998 e hoje com 150 lojas, representando aproximadamente um terço das vendas. É um canal lucrativo por permitir um mix de venda mais nobre que os demais (varejo especializado e incorporadoras).

Com o boom da construção civil no país entre 2007 e 2014, a empresa cresceu de modo significativo: sua receita líquida aumentou 140% e seu EBITDA ajustado cresceu 506% no período, sem movimentos significativos de aquisição. Com o objetivo de expandir-se organicamente de modo mais relevante, decidiu em 2013 construir uma nova fábrica em Alagoas, com a estratégia de atuar com uma nova marca para o Nordeste, Pointer.  A fábrica foi inaugurada em 2015, já sob condições econômicas bem piores do que as de 2013, quando a decisão de investimento foi feita.

Após o pico de desempenho econômico-financeiro observado em 2014, a Portobello viu-se, a partir de 2015, tendo que enfrentar uma fortíssima recessão econômica (especialmente cruel no setor de construção civil),  ao mesmo tempo em que iniciava o ramp-up da nova fábrica. Assim, seu EBITDA caiu do recorde de R$176 milhões em 2014 para R$115 milhões em 2016, uma retração de 35%, enquanto sua alavancagem financeira (dívida líquida / EBITDA ajustado), saltou de 2,0x para 4,2x nos respectivos anos, um nível desconfortavelmente alto[10]. Entre o fim de 2014 e o início de 2016 o preço da ação da Portobello caiu em 2/3 (figura 2).

 

Figura 2: Preço da ação da Portobello – em R$/ação

Fonte: Bloomberg

Desde então, a Portobello vem navegando pela recessão com disciplina. Ao invés de simplesmente esperar o ciclo do setor melhorar, o que pode demorar – haja vista a tendência de os setores de construção civil e material de construção se recuperarem com atraso em relação à economia –, a empresa focou em medidas para aumentar sua eficiência operacional. Uma ampla revisão de custos e despesas foi realizada ao longo de 2016, utilizando ferramentas como o orçamento base zero[11]. Em adição, fez investimentos buscando maior flexibilidade e integração das suas quatro linhas de produção na planta de Tijucas (SC), com o objetivo de maximizar a fabricação de produtos mais rentáveis e diminuir a capacidade ociosa estrutural.

Tais medidas começaram a dar frutos a partir do primeiro trimestre de 2017, que consideramos ser o ponto de inflexão de sua eficiência operacional. Comparando este trimestre com um ano antes, apesar de a receita líquida ter caído 2,4%, o lucro bruto avançou 7,0%, e as despesas comerciais e as gerais/administrativas caíram 7,3% e 7,1%, respectivamente. Com isso, o EBITDA ajustado do trimestre saltou 71% na mesma base. A demonstração de resultado do segundo trimestre de 2017 reafirmou o salto de eficiência operacional, que acreditamos ser estrutural. Com isso, nossas estimativas apontam para uma geração de EBITDA em 2017 já próxima à do pico de 2014 (Figura 3), e uma significativa queda de alavancagem financeira (Figura 4). E isso ainda sem melhora de receita.

 

Figura 3: EBITDA anual e margem (R$ milhões em %)

Fonte: Portobello e Cardinal Partners

Figura 4: Alavancagem financeira (Dívida líquida/EBITDA)


Fonte: Portobello e Cardinal Partners

Em conclusão, consideramos Portobello como um caso de estratégia bem concebida, combinada com elevada eficiência operacional. Do lado estratégico, desfruta de uma marca premium consolidada, um canal de distribuição exclusivo que representa uma importante barreira de entrada para sua marca, e, acima de tudo, visão de longo prazo. Em relação a sua eficiência operacional, mostra elevada disciplina. Suas ações recentes buscando maior flexibilidade produtiva e redução de custo devem aumentar sua alavancagem operacional. Ao incorporarmos esse novo padrão, o valor que atribuímos à empresa subiu robustos 55% durante 2017 (Figura 5), ainda mantendo premissas razoavelmente conservadoras, como sempre fazemos. Este é um contundente caso de forte criação de valor advindo de um salto de eficiência operacional. A Portobello é uma de nossas empresas investidas desde o quarto trimestre de 2016.

 

Figura 5: Preço da ação da Portobello e valor da ação atribuído pela Cardinal Partners


Fonte: Portobello e Cardinal Partners

Outubro de 2017
Marcelo Audi

 


[1] GREENWALD, Bruce and KAHN, Judd. Competition demystified – A radically simplified approach to business strategy. Portfolio, 2007, p. 364.

[2] Carta Cardinal 5 – Como crescer na recessão? p. 2.

[3] PORTER, Michael, What is strategy? Harvard Business Review, November-December 1996, p. 5.

[4] As empresas que saltaram para a alta performance, analisadas por Jim Collins, levaram em média quatro anos para conceberem sua estratégia porco-espinho (COLLINS, Jim, Good to Great, Harper Business, 2001, p. 114). Para detalhes sobre o conceito da estratégia porco-espinho, vide Carta Cardinal 7 – Olimpíadas, legado e value investing, p. 5.

[5] Nos seis anos findos em 2016, apresentou um crescimento médio anual composto de faturamento de 24%, comparado com 6% do mercado. Seu market share no mercado brasileiro saltou de 6% em 2010 para 15% em 2016. Sua rede de franquias cresce em ritmo forte: de 63 lojas em 2004 para 1.000 em 2010 e 2.148 atualmente.

[6] As vendas apenas da Quinta-feira Santa equivalem quase às de janeiro a fevereiro somadas.

[7] Carta Cardinal 7 – Olimpíadas, legado e value investing p. 2.

[8] GREENWALD, Bruce and KAHN, Judd. Competition demystified – A radically simplified approach to business strategy. Portfolio, 2007, p.369.

[9] PORTER, Michael, What is strategy? Harvard Business Review, November-December 1996, p. 4.

[10] O atenuante é que parte relevante da dívida se referia ao financiamento da nova planta junto ao Banco do Nordeste, que tinha condições muito atrativas: custo de 3,0% a.a. nominal, 11 anos de vencimento e 2 anos de carência.

[11] Orçamento base zero é uma abordagem para planejamento e orçamentação que inverte a lógica tradicional do processo de orçamentação. Na orçamentação tradicional é utilizada uma abordagem incremental, na qual os gestores de departamentos justificam apenas as variações em relação aos anos anteriores, baseados na suposição de que a base dos anos anteriores está implicitamente aprovada. Num orçamento base zero, por outro lado, cada item do orçamento precisa ser explicitamente aprovado, e não apenas as alterações em relação ao ano anterior. Durante o processo de revisão do orçamento, nenhuma referência é feita ao nível de despesas do ano anterior. O processo de orçamento base zero requer que a solicitação orçamentária seja revisada e avaliada completamente, a partir de uma “base zero”.

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